sexta-feira, 29 de julho de 2011

Quando chega a hora, não tem jeito...

A morte como fator constitutivo do nosso saber intelectual

A vida humana é fundada de incertezas, na qual os indivíduos tendem a optar por determinadas circunstâncias para atingir a sua satisfação. A partir do prazer surge a convicção, que o ser humano tanto necessita para estar seguro do que vai fazer. A idéia de algo duvidoso, incerto, causa temor no homem, pois o desconhecido nos assusta. Uma das maiores certezas da humanidade é a morte, que por incrível que pareça é o que impõem mais receio no homem, pois ela trás consigo a incerteza que tanto assusta o individuo humano. Este nasce e em um curto espaço de tempo se defronta com este mal, que assola a existência humana. A partir de um primeiro contato com esta realidade findoura, nos coloca diante de nossa reflexão interior. E é por esse motivo que o homem tende a idealizar algo sobre a morte, para a sua consciência se sentir melhor diante de algo tão certo como é o fim de nossa existência.
A partir deste ponto me apego às considerações do filósofo Alemão Artur Schopenhauer. Quando este sintetiza suas idéias e compara os seres humanos com as outras espécies animais diante da morte. Os animais vivem no presente e por isso, não possuem noção de tempo futuro e passado. Logo estes seres não sabem o que é realmente a morte. O contato destes com o mal que extingui nossa vida se dá somente no momento em que esta se apresenta, ou seja, quando estes já tem falecido. Para Schopenhauer o animal vive um prolongado presente, sem ter idéia do que está a sua volta, sem reflexão, eles vivem de si e de si sempre sucumbem inteiramente, sem propriamente saber que está fundado a morrer. Diferente do homem que possui consciência e noção de tempo. Assim, a cada hora que passa, o individuo humano sabe que mais próximo do encontro da morte ele está. Por isso, Schopenhauer chegaria à conclusão que a existência da filosofia e das religiões surgiria apenas pela compressão do homem de sua finitude. O saber intelectual surgiria para suprir nossas dúvidas em circunstância da morte.
As religiões e as crenças surgiram no intuito de suprimir a nossa incerteza sobre a morte. Todas estas, estão fundadas na perspectiva, da pós-vida. Colocando a existência na terra como algo passageiro para uma vida eterna de felicidade, e em outros casos de dor ou até mesmo multiplicativo, se considerarmos que algumas religiões possuem em sua corrente doutrinária a reencarnação. Os princípios religiosos amenizam o temor humano, e a sombra negra que impera na morte. É verdade que o fim de nossa existência nos traz dúvidas, mas para alguns a morte é um alivio (uma prerrogativa suicida) e para outros a glória. Esta última pode ser buscada pelos heróis, pegando como exemplo a Ilíada de Homero. O herói Aquiles buscava incessantemente esta glória. Para ser reconhecido por toda eternidade. O apogeu para o grego era ser lembrado pelos seus feitos heróicos: morrer jovem no campo de batalha era o ideal. A busca para continuar vivo no combate, era importante. Para se comprovar a austeridade daquele o qual os seus feitos seriam reverenciados. Por isso Aquiles decidiu combater na guerra de Tróia, pois o seu objetivo estava traçado naquele confronto. A sua morte como grande guerreiro valia mais que uma vida duradoura, e um final de existência extremamente apagado. O materialismo histórico surgido na corrente marxista dá outro sentido a morte, colocando esta como o fim de tudo, sem nenhuma passagem para outro plano, divergindo do pensamento religioso. Diante desta idéia materialista, me coloco a pensar: qual seria a importância de nós seres vivos neste mundo? Esta pergunta nos fazemos desde o início da Humanidade. A morte nos alimenta intelectualmente. E esta razão na qual o homem viva a sua existência, na busca de suprimir a sua incerteza de algo que ele não pode fugir. A falência de sua matéria.


Ronyone de Araújo Jeronimo

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Santa X Outra

A santa e a outra

Refletia sobre esse seguinte trecho da música “Ponto de interrogação” de Gonzaguinha:
“Quem te diz que não é só vício
Da obrigação
Pois com a outra você faz de tudo
Lembrando daquela santa
“Que é dona do teu coração”.
É interessante como são formadas as imagens sociais dos indivíduos, e cá para nós mulheres, quantos estigmas nos colocam... Observemos, pois, somente dois, para que não nos alonguemos tanto: a outra e a santa.
Com a outra, o homem “faz o que quer”, mas sem generalizar, pois cada caso é um caso; ela é aquela mulher perigosa, que está disposta a levar qualquer homem aos ares. Em contraposição, existe aquela, dona do coração do homem (ou não), a fiel, a santa. Muitas vezes fora vista como mera procriadora.
Essa distinção está relacionada com a velha dualidade que cerca o mundo, como a que Leach coloca quando trata do mito: masculino/feminino, bem/mal etc. Do mesmo modo percebemos essa distinção entre o sexo para o prazer e para tão somente procriar, perpetuar a espécie.
A outra é aquele tipo de mulher que encontramos na Bíblia, que leva o homem ao pecado original: é Eva, tentadora como a serpente. A santa é vista como aquele tipo de mulher bondosa, fiel, a virgem, a Maria da escritura sagrada. A outra abre a porta do inferno, a santa a dos céus.
Se retomarmos a história do Brasil - colônia podemos verificar que a Igreja Católica combatia o concubinato, defendendo um modelo de família patriarcal. O homem, branco, tinha poderes supremos sobre os membros da família e principalmente de sua esposa. Era consentido que o desejo se destinasse apenas para a prostituta e as de classes pobres como brancas, negras, mestiças e índias. E, diga-se de passagem, eram as preferidas dos portugueses e espanhóis. A mulher, esposa branca, mesmo pertencendo a uma classe superior, ocupava um lugar na sociedade como um ser anti-sexual, papel que lhe cabia somente de procriar, cuidar dos filhos e dos empregados.
Eis um ditado muito citado na época, e que encontramos em “Casa Grande & Senzala” de Gilberto Freyre que resume a situação das mulheres no Império: “Branca para casar, mulata para foder e negra para trabalhar”. E nos dias de hoje, como isso ocorre? Do mesmo jeito? São de fato, contextos diferentes, mas que levam a reflexão sobre esse aspecto: talvez, não é certo, mas às vezes só muda a nomenclatura.
Marilena Chauí fala sobre o moralismo de resistência, que defende o tradicionalismo quando a questão se trata da virgindade, associada à reprodução, pelo papel da santa. Os membros familiares falam sobre a vigilância que se deve ter da moça de boa família, casta e dentro dos bons costumes. Ela deve se preservar até o dia do casamento. As que não primam por essa “ideologia dos bons costumes”, por vezes são taxadas de “galinha”, “vaca”, “piranha”, dentre outros insultos que talvez não sejam necessários.
As opiniões se divergem quanto ao que permeia nas mentes de homens e mulheres. De acordo com alguns entrevistados por Maria Amélia A. Goldberg, em seu livro “Educação Sexual: uma proposta, um desafio (1988)”, muitos não viam tanta importância quanto à virgindade, tanto homens quanto mulheres, mas outros um pouco mais conservadores eram seguidores da moda à antiga.
Vemos que do lado masculino, em nossa sociedade, esses estigmas não são colocados, ninguém chama um homem de “santo” ou “outro”.  Por que será então hein? Deixo essa pergunta por enquanto sem resposta, tendo em vista que são inúmeras, mas que podem ser respondidas, ou não. Mas o que você acha de dividir o universo feminino em dois grupos: as santas para o compromisso, e as outras para o passatempo? Qual a sua opinião acerca disso? Qual o seu posicionamento?

Gláucia Santos de Maria

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Augusto e Enéias...

A Eneida, a saga de um império

Como se surge um império? Não é tão fácil responder sobre uma pergunta dessa magnitude, e sim citar de que forma isso poderia ter acontecido. Um império pode surgir a partir de uma junção de territórios e de povos de uma cultura muito parecida, apesar de que, nem sempre há consenso em um vasto território, sempre há divergências culturais. O jogo político é que determina a concessão de um império. O nascimento em si, vai depender de vários aspectos preponderantes. No caso do império romano, há muitas histórias, sobre a sua origem. Uma delas é a ligação de Roma com Tróia, reino sucumbido pelos gregos, na famosa guerra de Tróia, descrita por Homero em sua epopéia conhecida como a Ilíada. Ao término dessa história, nasce o relato de um sobrevivente da cidade de Príamo, um herói que fica encarregado de reerguer os muros de uma nova Tróia em outro território. Os deuses determinam que este local seja distante, e o território italiano é o escolhido para ser restaurado o reino que decaíra, dessa forma nasceria um império, onde Enéias prometera restaurar a força dardanida e restituir um poder de um povo.
            A queda dos muros de Príamo dera início a uma grande saga, onde o herói Enéias e os refugiados da cidade de Tróia saíram pelo mundo em busca da terra prometida pelos deuses. Uma história repleta de mitologia e de atos de heroísmos constituía a obra de Virgilio, poeta Romano que vivera em um período de grande ascensão cultural. No qual as artes e a literatura estavam em alta, pois possuíam o apoio do Imperador Augusto, que governara o império (43 A.C.-19 D.C.). A paz Octaviana, e a proteção admirável de Mecenas aos artistas e letrados, fora o marco para a difusão de obras como a épica Eneida, que reconstruía um passado glorioso para um império que em seu presente, só possuía glórias. A escrita da Eneida, por parte de Virgilio, cria uma ascendência do povo romano, distanciando estes da cultura helênica, e criando o seu próprio modelo cultural, a cultura latina. Uma afirmação buscada naquele momento, no qual Roma voltava a ser império, a grande epopéia de Virgilio, que ajudara a legitimar o poder de Augusto, que se dizia herdeiro de Enéias, o primeiro dos seus iguais, para não atingir a população romana que em si possuía grande simpatia pelo antigo regime, o republicano. Este adotou esta alcunha e a de príncipe do senado, para não afirmar que propriamente era um imperador, que, no entanto ditava sozinho a sua lei. O patrocínio para escrever a saga de Enéias partira do próprio imperador.
            A Eneida fora concluída no ano 19 do século I. A semelhança da obra de Virgilio com a Ilíada e Odisséia, de Homero, leva-nos a concluir que Virgilio tivera lido a história épica homérica, para construir a história épica latina. Pois as obras possuem um alto índice de analogias, que podemos reparar facilmente lendo as obras. A Eneida é constituída por 12 livros, onde os seis primeiros livros são muito parecidos com A Odisséia. Odisseu e Enéias até parecem à mesma pessoa. Odisseu buscava voltar para Ítaca, local de onde vivia e era senhor. Enquanto Enéias buscava reconstruir sua nova moradia, na terra prometida pelos Deuses, para levantar novamente os muros troianos. Os dois passam por grandes aventuras e angústias, que em alguns momentos levam os dois heróis ao desespero. As duas obras se remetem aos seus nomes: A Odisséia referente ao herói Odisseu, e a Eneida a Enéias. O ponto de partida das duas histórias nasce com o fim da Ilíada. De uma forma ou de outra a cultura helênica continuou presente dentro da cultura latina. É claro que a escrita de Virgilio era diferente da escrita homérica. Virgilio conseguiu expor na Eneida de uma forma poética os motivos pelo quais os Romanos mereciam ser os donos do mundo.  O início da Eneida trás um fragmento que faz refletir sobre isso. “Canto os combates e o herói que, por primeiro, fugindo do destino, veio das plagas de Tróia para a Itália e para as praias de Lavínio. Longo tempo foi o joguete, sobre a terra e sobre o mar, do poder dos deuses superiores, por causa da ira da cruel Juno; durante muito tempo, também, sofreu os males da guerra, antes de fundar uma cidade e de transportar seus deuses para o Lácio: daí surgiu a raça latina e os pais albanos e as muralhas da soberba Roma.” ( pag.11).
Ronyone de Araújo Jeronimo

terça-feira, 12 de julho de 2011

Cada um na sua tribo...

Zadoque* : renascendo sem trocar de roupa

"A figura tradicional do crente vestindo um terno preto, segurando uma Bíblia e seguido de sua mulher trajando um vestido comprido e cabelo longo, foi substituída pelos fiéis usando roupas descontraídas, coloridas e cabelos da moda" ( Márcia Regina da Costa).
É o que verificamos em muitas denominações protestantes que vem tomando forma e o gosto dos devotos que primam por uma maior liberdade de manter seu estilo, mas sem deixar de lado seus ideais cristãos.
Sobre uma dessas igrejas fundadas no âmbito evangélico, queria dar destaque a Zadoque, grupo estudado pela professora  de Antropologia Márcia Regina da Costa, mas analisando tão somente seus ideais e características. Tendo em vista que Costa realizou um estudo mais aprofundado quanto a questão da origem desse tipo de religião, de modo que ela argumenta sobre tribos urbanas, bem como os aspectos midiáticos que esse tipo de instituição procura potencializar a circulação dos seus preceitos através dos veículos de informação.
A Zadoque foi fundada em 1999,  na Barra Funda e surgiu devido a necessidade de evangelizar jovens do subúrbio, da periferia de São Paulo, tendo em vista que a igreja da qual vieram, a Renascer em Cristo, tinha como alvo estabelecido, os jovens da classe média e alta. E um dos membros dessa denominação sentindo-se discriminado,devido seu estilo, de acordo com Batista (pastor da Zadoque e líder de uma banda heavy metal- Anti-Demon) resolveu criar uma igreja que pudesse resgatar a juventude marginalizada que por vezes é vista como violenta, consumidora de drogas e formadora de gangues.
A fachada do templo da Zadoque é colorida com tons fortes, que mais parecem com os os cenários produzidos para espetáculos de shows de rock e rap. Seu interior é pintado de preto, com luzes especiais que iluminam o ambiente. Encontramos também, no fundo do palco a bandeira do Brasil e também dizeres que se expressam da seguinte maneira: "Minha Pátria para Cristo".
Na entrada do templo podemos encontrar diversos jovens que aguardam o início do espetáculo/culto/pregação, como bem coloca a professora. São punks, carecas (inspirados nos skinheads ingleses), rappers e outros. Muitos destes não fazem parte da igreja, mas frequentam principalmente os shows (gratuitos) que são transmitidos pelas bandas, e durante estes são recolhidos alimentos não-perecíveis para serem doados. A única exigência dos membros da Zadoque é que as normas de convivência entre os grupos sejam respeitadas.
A iniciativa dos membros da Zadoque é interessante, pois consegue unir de maneira pacífica grupos de jovens, ou tribos diferentes, que por vezes quando se cruzam nos subúrbios, são personagens que encenam ações violentas entre si. E nesse espaço, esses diversos grupos conseguem viver sem conflitos. Por isso que o lema da Zadoque é que todos podem curtir seu estilo, desde que tenham Jesus no coração. Batista, pastor da igreja, por exemplo, em seus shows e pregações, veste-se de preto, usa botas longas e caracterizado com cabelos compridos, já que pertence a uma banda heavy metal.
As músicas que são tocadas, misturam o som de rap, rock e heavy metal com letras que exaltam Cristo. Durante os shows, dá-se início as pregações, os testemunhos. De forma que se percebe que são contrários ao mal, a corrupção do país; enfatizam a família, a moral e defendem a Pátria, o Brasil. Muitos jovens usam piercings, cabelos de vários estilos, tatuagens, pois nada disso impede de pertencer a uma igreja evangélica.
A Zadoque se expandiu no interior de São Paulo, segundo Márcia Regina, na época de sua pesquisa, e encontrou muitos adeptos em outras cidades e capitais do Brasil. No ano de 2002 foi fundada a Zadoque no México. Tentaram da mesma maneira em Portugal, mas não obtiveram êxito.
É interessante notar, como a professora aborda um tema tão importante, que é tão pouco divulgado. Segundo ela, esses jovens têm a possibilidade de serem aceitos e reconhecidos pela sociedade, de maneira que não seja construída uma imagem tão negativa, principalmente os que possuem o estilo do tipo dos carecas, muito discriminados socialmente. Esses jovens têm a oportunidade de continuarem utilizando o que "curtem" sem seguirem uma "padronização" estabelecida, e mais que isso: pregam seus preceitos sem trocar de roupa!
O papel do pesquisador nesse aspecto é de dar voz a grupos que carecem de visibilidade social, construindo a partir de seus estudos, imagens significativas que são omitidas pelo preconceito de quem de fato não conhece a fundo determinados grupos sociais. Através da pesquisa de Costa, é possível conhecer e até nos identificarmos com as "tribos", a partir do papel que esses grupos desempenham na sociedade. Inseridos nesse espaço, os jovens membros da Zadoque procuram se destacar, cada um com seu estilo e ao mesmo tempo expressando seus ideais.
* Origem Hebraica: justo, reto; retidão.
**  Márcia Regina da Costa é professora do Departamento de Antropologia da PUC-SP e pesquisadora do Projeto de Cooperação Internacional Capes/ Grices Tribus Urbanas: Produções Artísticas e Identidades.
Gláucia Santos de Maria