sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Canibais: por necessidade ou fanatismo?



Quando pensamos no termo canibal, logo fazemos referência a indivíduos que se alimentam de seus semelhantes. Algo que quando ocorrem entre nós, seres humanos, tratamos como um ato doentio, de uma pessoa desprovida de juízo que, incorporado por um desejo animalesco, comete esse ato dito irracional, que antes fora considerado como prática de povos não civilizados.
Esta prática fora uma das causas para que os ocidentais se apropriassem de espaços já habitados que, segundo estes, tais sociedades possuíam culturas atrasadas, que se assemelhavam aos nossos primeiros ancestrais humanos. É claro que os europeus não tinham essa noção de evolucionismo no século XVI que só seria produzida no século XIX. Segundo a qual, cada sociedade teria de atravessar etapas evolutivas que iam desde a selvageria, passando pela barbárie até atingirem à civilização, vista como o patamar mais elevado da humanidade, onde se encontrava a sociedade europeia. Mas, possuíam a criacionista em que se baseavam e submetiam esses povos que não possuíam fé (segundo os europeus) e andavam nus.
Quando nos remetemos à fé, logo direcionamos nosso olhar ao nosso país Brasil, onde o cristianismo católico fora determinante em nossa colonização. De acordo com os que aqui chegaram os nativos que habitavam nosso território não estavam no padrão, dos preceitos de fé advindos da Europa. A cultura xamanista que reinava no Brasil antes da colonização portuguesa, não poderia ser atribuída como fé, segundo a visão portuguesa baseada em preceitos cristãos, nas quais os nativos não possuíam.
Alguns relatos europeus de antropofagia no início da colonização sobre o Novo Mundo deram conta de se criar sobre os povos indígenas da América um estigma de um continente que vivia na barbárie, propiciada por seus nativos, que não podemos considerar que fossem na sua totalidade antropófagos. Mas, esquecem que os próprios europeus já provocaram espetáculos monstruosos, em decorrência da fé. Até mesmo se permitindo a cometer atos canibais, que foram esquecidos pela história ocidental.
Esses fatos são trazidos à tona pelo escritor Libanês Amin Maalouf, que a partir da apropriação de crônicas e de relatos históricos do período das Cruzadas, tivera a possibilidade de escrever a obra intitulada “As Cruzadas vistas pelos Árabes”. Trazendo a perspectiva árabe sobre os acontecimentos que ocorreram em circunstância do fanatismo religioso cristão.
Um fato inserido na obra de Amin Maalouf, que nos chama atenção, é um acontecimento ocorrido na cidade Síria de Maara, onde os relatos árabes darão conta de atrocidades cometidas pelos franj, (forma pela qual os árabes denominavam os ocidentais, em circunstância das cruzadas) que provocariam o temor em todas as cidades árabes que ficavam no caminho de Jerusalém, que era o principal objetivo dos ocidentais, a retomada da cidade santa, que estava em posse dos árabes que não compartilhavam da religião cristã, e sim da ascendente religião Mulçumana, que no século XI já aspirava um risco para os ocidentais. Um perigo que escondia por parte dos ocidentais, uma tentativa de se expandirem pelo oriente, utilizando-se de uma famigerada guerra santa.
Guerra esta que não explica as atrocidades que ocorreram em Maara. Já que os ocidentais agiram de forma cruel contra uma cidade rendida, que não possuía um exército, apenas uma milícia, e que não se atreveu a enfrentar o grande exército franj, se apegando na palavra de um notável franj, Bohémond, que assumira o poder em Antioquia e garantira que a população de Maara não seria incomodada. No entanto, em razão da invasão ocidental, a população dessa cidade Síria seria trucidada, e serviria até como alimento para esses fanáticos, que agiam de uma forma nunca vista antes. No qual é relatado pela obra de Amin Maalouf, em que os ocidentais aterrorizavam, clamando por carne sarracena. E relatos ainda dão conta que a população adulta de Maara era cozinhada em caldeiras, enquanto que as crianças eram grelhadas no espeto.
Em razão desse acontecimento monstruoso ocorrido em Maara, há de se perguntar se o que aconteceu se deve em razão de sobrevivência, que fora abalada por alguma circunstância física que os ocidentais foram infligidos. Como fora evidenciado na obra de Maalouf, em que os chefes dessa carnificina afirmarão em uma carta ao papa no ano seguinte do ocorrido, que uma grande fome assolou o exército franj, e que acabou resultando nesse fato. Ou por razão de fanatismo, quando em uma frase de um próprio cronista Franj Albert de Aix que esteve na batalha, fez cair por terra esse argumento de sobrevivência, quando o mesmo relata: “Os nossos não repugnavam em comer não só a carne dos turcos e dos sarracenos mortos como também a carne dos cães!” (Maalouf, 2001, p. 47). Esta frase dotada de crueldade mostra outra face do que possivelmente ocorrera em Maara.
Esse acontecimento teve inicio em 11 de Dezembro de 1098. Quase quinhentos anos depois, os europeus se impressionavam com relatos trazidos do Novo Mundo, nos quais eram destacados que os nativos da América eram canibais. Sem nem mesmo buscar entender por que estes agiam dessa forma (se por prazer de se alimentar ou se tinha alguma explicação lógica), os julgavam desta maneira, estigmatizando-os. Sem levar em consideração que os próprios europeus, em razão das cruzadas, sem lógica alguma, apenas pelo fanatismo religioso, praticaram canibalismo. O que poderia explicar esse fato era que: os europeus agiram dessa forma para mostrarem que os muçulmanos não eram seus semelhantes, pois os mesmos não compartilhavam do mesmo credo.
Uma frase de um ilustre poeta que nascera em Maara, que possuía o nome de Abul-Ala AL-Maari, que vivera antes desse acontecimento, resume o que pode levar o ser humano a agir dessa forma dita irracional: “Os habitantes da terra dividem-se em dois grupos. Os que têm um cérebro, mais não têm religião, e aqueles que têm religião, mas não têm cérebro”.

Ronyone de Araújo Jeronimo



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