Quando pensamos no termo canibal, logo
fazemos referência a indivíduos que se alimentam de seus semelhantes. Algo que
quando ocorrem entre nós, seres humanos, tratamos como um ato doentio, de uma
pessoa desprovida de juízo que, incorporado por um desejo animalesco, comete
esse ato dito irracional, que antes fora considerado como prática de povos não
civilizados.
Esta prática fora uma das causas para que os ocidentais
se apropriassem de espaços já habitados que, segundo estes, tais sociedades possuíam
culturas atrasadas, que se assemelhavam aos nossos primeiros ancestrais
humanos. É claro que os europeus não tinham essa noção de evolucionismo no
século XVI que só seria produzida no século XIX. Segundo a qual, cada sociedade
teria de atravessar etapas evolutivas que iam desde a selvageria, passando pela
barbárie até atingirem à civilização, vista como o patamar mais elevado da
humanidade, onde se encontrava a sociedade europeia. Mas, possuíam a
criacionista em que se baseavam e submetiam esses povos que não possuíam fé
(segundo os europeus) e andavam nus.
Quando nos remetemos à fé, logo direcionamos
nosso olhar ao nosso país Brasil, onde o cristianismo católico fora determinante
em nossa colonização. De acordo com os que aqui chegaram os nativos que
habitavam nosso território não estavam no padrão, dos preceitos de fé advindos
da Europa. A cultura xamanista que reinava no Brasil antes da colonização
portuguesa, não poderia ser atribuída como fé, segundo a visão portuguesa
baseada em preceitos cristãos, nas quais os nativos não possuíam.
Alguns relatos europeus de antropofagia no
início da colonização sobre o Novo Mundo deram conta de se criar sobre os povos
indígenas da América um estigma de um continente que vivia na barbárie,
propiciada por seus nativos, que não podemos considerar que fossem na sua totalidade
antropófagos. Mas, esquecem que os próprios europeus já provocaram espetáculos
monstruosos, em decorrência da fé. Até mesmo se permitindo a cometer atos
canibais, que foram esquecidos pela história ocidental.
Esses fatos são trazidos à tona pelo escritor
Libanês Amin Maalouf, que a partir da apropriação de crônicas e de relatos
históricos do período das Cruzadas, tivera a possibilidade de escrever a obra
intitulada “As Cruzadas vistas pelos Árabes”. Trazendo a perspectiva árabe
sobre os acontecimentos que ocorreram em circunstância do fanatismo religioso
cristão.
Um fato inserido na obra de Amin Maalouf, que
nos chama atenção, é um acontecimento ocorrido na cidade Síria de Maara, onde
os relatos árabes darão conta de atrocidades cometidas pelos franj, (forma pela
qual os árabes denominavam os ocidentais, em circunstância das cruzadas) que
provocariam o temor em todas as cidades árabes que ficavam no caminho de
Jerusalém, que era o principal objetivo dos ocidentais, a retomada da cidade
santa, que estava em posse dos árabes que não compartilhavam da religião
cristã, e sim da ascendente religião Mulçumana, que no século XI já aspirava um
risco para os ocidentais. Um perigo que escondia por parte dos ocidentais, uma
tentativa de se expandirem pelo oriente, utilizando-se de uma famigerada guerra
santa.
Guerra esta que não explica as atrocidades
que ocorreram em Maara. Já que os ocidentais agiram de forma cruel contra uma
cidade rendida, que não possuía um exército, apenas uma milícia, e que não se
atreveu a enfrentar o grande exército franj, se apegando na palavra de um notável franj, Bohémond, que assumira
o poder em Antioquia e garantira que a população de Maara não seria incomodada. No entanto, em razão da invasão
ocidental, a população dessa cidade Síria seria trucidada, e serviria até como
alimento para esses fanáticos, que agiam de uma forma nunca vista antes. No
qual é relatado pela obra de Amin Maalouf, em que os ocidentais aterrorizavam,
clamando por carne sarracena. E relatos ainda dão conta que a população adulta
de Maara era cozinhada em caldeiras, enquanto que as crianças eram grelhadas no
espeto.
Em razão desse acontecimento monstruoso
ocorrido em Maara, há de se perguntar se o que aconteceu se deve em razão de
sobrevivência, que fora abalada por alguma circunstância física que os
ocidentais foram infligidos. Como fora evidenciado na obra de Maalouf, em que
os chefes dessa carnificina afirmarão em uma carta ao papa no ano seguinte do
ocorrido, que uma grande fome assolou o exército franj, e que acabou resultando
nesse fato. Ou por razão de fanatismo, quando em uma frase de um próprio cronista
Franj Albert de Aix que esteve na batalha, fez cair por terra esse argumento de
sobrevivência, quando o mesmo relata: “Os nossos não repugnavam em comer não só
a carne dos turcos e dos sarracenos mortos como também a carne dos cães!” (Maalouf,
2001, p. 47). Esta frase dotada de crueldade mostra outra face do que possivelmente
ocorrera em Maara.
Esse acontecimento teve inicio em 11 de
Dezembro de 1098. Quase quinhentos anos depois, os europeus se impressionavam
com relatos trazidos do Novo Mundo, nos quais eram destacados que os nativos da
América eram canibais. Sem nem mesmo buscar entender por que estes agiam dessa
forma (se por prazer de se alimentar ou se tinha alguma explicação lógica), os
julgavam desta maneira, estigmatizando-os. Sem levar em consideração que os
próprios europeus, em razão das cruzadas, sem lógica alguma, apenas pelo
fanatismo religioso, praticaram canibalismo. O que poderia explicar esse fato
era que: os europeus agiram dessa forma para mostrarem que os muçulmanos não
eram seus semelhantes, pois os mesmos não compartilhavam do mesmo credo.
Uma frase de um ilustre poeta que nascera em
Maara, que possuía o nome de Abul-Ala AL-Maari, que vivera antes desse
acontecimento, resume o que pode levar o ser humano a agir dessa forma dita irracional:
“Os habitantes da terra dividem-se em dois grupos. Os que têm um cérebro, mais
não têm religião, e aqueles que têm religião, mas não têm cérebro”.
Ronyone
de Araújo Jeronimo
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