O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira)
É desesperador a falta de consciência e sensibilidade de nós brasileiros
quando o quesito é o desperdício de alimentos. Sejam nas feiras livres, nos
supermercados e até mesmo em casa, muitos alimentos são jogados na lata do lixo
a todo instante e levados aos lixões ou aterros sanitários das cidades
brasileiras. E enquanto muitos de nós não fazemos o uso correto no consumo de
muitos alimentos, observando o que é necessário comprar para a nutrição, a
Embrapa mostra em uma de suas pesquisas que o brasileiro joga mais alimentos no
lixo do que consome. Isso é um absurdo! E por que a citação de Manuel Bandeira
acima? Esta pode ser justificada.
Após assistir inúmeras reportagens sobre o assunto, me deparei no dia 30
de janeiro de 2012 com uma matéria exibida pela SBT no programa SBT Repórter
apresentado por César Filho. Num dos diálogos que a entrevistadora fazia a um
dos catadores de lixo, fiquei extremamente sensibilizada. Foi mais ou menos desse modo que se
estabeleceu o diálogo. A repórter perguntou ao trabalhador o que de mais
valioso ele havia encontrado no lixão, e a resposta foi imediata, o mais
precioso, sem dúvida, foi à alimentação. Sim, alimentação! Sabe quando vamos almoçar,
jantar, e fazemos aquele belo prato e que quando não agüentamos mais jogamos no
lixo sem a menor culpa? É justamente esse alimento que irá nutrir aquele homem
e muitos outros juntamente com seus familiares. É duro falar isso, e muitos de
nós nem sentimos o peso na consciência. É preciso ver um relato desses para
refletir o quão egoístas somos e mais que isso, o quanto não damos valor ao que
temos e desperdiçamos, sendo que isto é a sobrevivência de muitos. É de se
debulhar em lágrimas diante de tanto descaso. Muitos deles não possuem
alternativa mesmo, e tem de sobreviver daquilo que está disponível, no lixo.
Gostaria de compartilhar agora, outro relato sobre o lixão, ou melhor
dizendo, o antigo lixão de Campina Grande desativado recentemente pela
prefeitura da cidade paraibana. Em tempos em que ainda era estudante
secundarista, uma ex-professora minha, disse que uma imagem ficará para sempre
em sua memória. Ela nos relatava que em uma visita ao antigo lixão da cidade,
com alunos do colégio em que lecionava, viu uma criança, uma menina que
aparentava por volta de seus 5 anos de idade. Esta se encontrava suja e com
poucas vestes. Quando o caminhão descarregou o lixo, ela imediatamente viu
quando caiu uma maçã, e sem pestanejar, zás, pegou a fruta. E como se não
bastasse, acreditando que iria retirar as impurezas da fruta no contato com o
lixo, simplesmente a pegou com suas mãos, que assim como o seu corpo, estavam
sujas, e a esfregou em seu tronco e a devorou. E esse fato nunca saiu da mente
da professora que presenciou, e nem da minha que apenas ouviu o relato com
tristeza.
Acerca de tudo o que foi abordado, fica um momento de reflexão para todos
nós. Muitas vezes olhamos uma comida com desprezo e a julgamos não agradável ao
paladar. Pensemos bem antes de jogarmos fora, pois se para nós não é boa, para
muitos outros é a única sobrevivência.
Gláucia Santos de Maria