sábado, 28 de julho de 2012

Uma fantástica noite: O dia em que um só Etíope dominou a soberba Roma



Os jogos olímpicos que novamente estamos tendo a oportunidade de acompanhar chegam à sua trigésima edição da era moderna. Na antiguidade, mais precisamente na Grécia, eram disputadas diversas competições entre as cidades estados (Polis), sendo denominadas de olimpíadas.
As olimpíadas da era moderna se iniciaram em 1896, em Atenas, Grécia. Apenas 14 nações estiveram presentes competindo nas 43 modalidades de esportes. O evento cresceu ao longo do tempo e hoje é uma das maiores competições esportivas da atualidade e que engloba mais de 200 nações. As olimpíadas que estamos acompanhando, possui uma imensa mídia televisiva que transmite as competições, de modo que não é preciso ir até Londres para acompanhar os jogos, já que na sua casa, você poderá assistir as diversas práticas esportivas que acontecem. Nas olimpíadas, inúmeras histórias de superação, de garra e de força também serão relatadas. Algumas dessas atividades terão, certamente, um enorme valor social, político, como também histórico.
Em razão desses acontecimentos que se fazem presente nas olimpíadas, poderíamos destacar muitas representações que tiveram destaque. Mais uma em especial me chama atenção, pelo fato de toda relação histórica que fora criada, que remetia até mesmo uma referência a Roma antiga, que fora um fator preponderante para o encerramento dos jogos olímpicos que existiam na antiguidade, pelo fato dos romanos imporem sua influência sobre os gregos tirando o brilho dos jogos.
Chegada à era moderna, mostrando toda sua beleza turística, como também seu valor histórico para a humanidade, Roma sediaria os jogos olímpicos no ano de 1960. O evento seria marcado pela vitória da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviética) no quadro de medalhas dos jogos, uma vitória socialista em território capitalista. No entanto, para os italianos aliados ao bloco capitalista comandado pelos Estados Unidos, a vitória soviética não tivera tanta representação que uma determinada modalidade esportiva tivera no evento.
A modalidade que queria destacar é a maratona. Esta é tida como uma das provas mais tradicionais do atletismo, sendo a que mais cobra do atleta, pelo fato de serem exigidos 42 km de corrida. A maratona é a prova que encerra tradicionalmente os jogos olímpicos. Em Roma não foi diferente, porém, a referida competição pela primeira vez seria realizada a noite. O fim da prova seria ao lado do Coliseu, e a linha de chegada ficaria bem próxima do Arco de Constantino.
A prova recebeu 69 competidores e entre eles estaria uma figura, a qual a história mostraria aos italianos, todo um orgulho que fora ferido alguns anos atrás em razão da invasão fascista italiana a Etiópia, no ano de 1935, promovida pelo general Benito Mussolini, que também governava de forma ditatorial a Itália. As tropas italianas partiram do Arco de Constantino para conquistar a Etiópia, país pobre da África, mas que em sua história nunca tivera sob o jugo de um colono, exceto, “Uma curta ocupação da Itália entre 1935 a 1945, a Etiópia nunca fora colonizada.” (Munanga e Gomes, 2006). Essa invasão seria lembrada 25 anos depois, por um atleta, que era uma criança no momento desta invasão.
  No ano de 1932 nascia Abebe Bikila, filho de família pobre, na Etiópia. Vira seu país ser invadido pelos italianos, que causaram muitos problemas a um país, onde sua população já vivia em condições desfavoráveis. O pai de Bikila fazia parte da guarda do Rei Hailé Selassié, o mesmo a qual Bikila se tornaria guarda. O seu alistamento a guarda imperial, aconteceu em função de subsistência, já que o cargo dava o mínimo de condição para sobreviver. Esta era uma forma a qual Bikila garantiria seu sustento. Este não imaginava que aos 17 anos iria se tornar um atleta mundialmente conhecido, pois o seu contato com atletismo só viria aos 24 anos de idade. Quem descobriu o seu talento foi o treinador sueco Onni Niskanen, que fora contratado pelo governo Etíope para revelar corredores talentosos. Este viu em Bikila todo um potencial, acontece que Bikila só seria integrado à equipe que foi a Roma, graças à infelicidade de um atleta etíope que torceu o joelho. Abebe Bikila foi à Roma e lá caminhando pela cidade observou o obelisco de Axum que fora pilhado pelos italianos na guerra. Trata-se de um monumento que fora levantado no século IV, e posteriormente desmontado e levado para Itália. Bikila reparou que o obelisco fica 1,5 Km da linha de chegada: era ali onde ele dispararia.
     O treinador de Abebe Bikila alertou que o seu maior concorrente era um marroquino que estaria utilizando o numero 26. No entanto, este competidor por outro motivo correu com o número 185. Esta mudança de número fora bastante incentivante para Bikila, que decidiu correr descalço, em razão do patrocinador da competição, a Adidas, não ter um tênis a qual o atleta achasse confortável aos pés. Porém, ao final da prova Bikila explicaria a razão de correr descalço. Correndo a noite e sendo iluminado por tochas seguradas por policiais da cidade, Bikila corria acompanhado pelo numero 185, a qual tinha sido alertado pelo treinador. Só que Abebe Bikila não tinha sido informado das mudanças de números, e o etíope apertava o passo buscando o 26, sendo que ele estava ao lado dele. Essa disputa acabou sendo entre Bikila consigo próprio, e isso acabou deixando o marroquino para trás. O ponto a qual Abebe Bikila arrancaria para vitória lembrava seu povo. Passando ao lado do Coliseu, e cada vez mais próximo da vitória, o corredor começou a ver olhares que na sua infância o oprimia, mas que agora o aplaudia. Nesse sentido, não era apenas Bikila que era aplaudido, mas toda a Etiópia que fazia jus em forma de homem. Bikila segue correndo mesmo depois da linha de chegada, e dessa maneira se tornava assim o primeiro negro africano a ganhar uma medalha de ouro nos jogos olímpicos. Mas só isso não bastava para esse grande atleta, o motivo de correr após a linha de chegada se deu em virtude de que fora justamente nesse local, debaixo do Arco de Constantino, que Mussolini partiu para invadir a Etiópia. Desse modo, ao dançar* nesse mesmo local, Abebe Bikila não comemorava apenas o seu feito, mas era a vitória do seu povo sobre a Itália.
      Após a corrida, Abebe Bikila explicou por que correu descalço "queria que o mundo soubesse que meu país, a Etiópia, sempre tinha conseguido suas vitórias com heroísmo e determinação". Em seu país Bikila foi recebido como um herói, tanto que o rei Hailé Selassié da Etiópia promoveu o atleta, que já era seu guarda a função de cabo. O mesmo presenteou o atleta com um anel de diamante que possuía uma frase que destacava o novo slogan que a Etiópia assumira a partir daquele momento: “Enquanto Mussolini precisou de milhões de soldados para conquistar a Etiópia, nós só precisamos de um para conquistar Roma”A conquista de uma cidade histórica por um único homem, só aconteceria em função do esporte. E é isso que torna os jogos olímpicos um evento tão marcante e significativo. 
* Vitória de Abebe Bikila: http://mais.uol.com.br/view/ofj6vrny8naf/abebe-bikila-campeao-da-maratona-de-roma1960-04024D99336ACCA12326?types=A
Ronyone de Araújo Jeronimo

sábado, 21 de julho de 2012

Contos de fadas Disney: Branca de Neve, padrões e estereótipos

          
         Culturalmente falando, não há como deixar de afirmar que os valores, os papéis sociais e até mesmo os estereótipos partilhados entre os indivíduos, se configurará de acordo com a sociedade em que os indivíduos estiverem inseridos. Desde a infância nos habituamos a receber incentivos dos nossos pais quanto ao modo como devemos nos portar à mesa, as vestimentas que iremos usar em determinada ocasião, bem como nos é apresentado uma bola para o menino e a boneca para a menina eis aí o processo de socialização. Como coloca Berger (1973) a chamada socialização primária, ocorre dentro do seio familiar, nas brincadeiras com os colegas de infância e também no espaço da escola no qual se iniciará o processo de socialização secundária (Bourdieu, 1998). 
          Nesse processo de socialização, nos é oferecido revistas, músicas e filmes de animação. Quanto a este último, um carro-chefe das produções cinematográficas de desenhos animados, sem dúvida é a companhia Walt Disney. Eis aí o ponto em que gostaríamos de chegar. Sobre uma de suas produções é que iremos nos debruçar. O foco de nossa discussão diz respeito ao primeiro longa metragem em animação produzido em 1937, no inicio da Segunda Guerra Mundial: Branca de Neve e Os Sete Anões. Na produção desse filme Disney recebeu o Oscar, e ainda sete miniaturas representando os sete anões. Mas de que modo podemos estabelecer um debate sobre esse longa produzido por Disney? Na nossa discussão usaremos da animação em questão para especificar os padrões e estereótipos usados por Disney e seus produtores, nesse ‘inocente’ conto de fadas. 
      Desde nossa infância, somos deparados com padrões sociais que influem no modo como percebemos a realidade através de um mundo pré-construído. As histórias, os contos infantis trazem também essa carga de determinados padrões sociais partilhados entre as personagens. Refletindo essa questão, o conto de fadas funciona como forma de entretenimento, mas, além disso, ele 
Consiste em histórias que se passam em um tempo e espaços indefinidos e que apresenta de início uma situação realista problemática, de tema universal com um conflito entre o bem e o mal, além de elementos mágicos, terminando com a punição dos maus e o final feliz do herói (FREITAS,1997)
           Os contos infantis, e principalmente os contos de fadas, mostram que se fores bom, terás um final feliz, caso contrário serás punido pelos atos maldosos que praticou contra outrem. O fato de ser bom ou mal, já emergem como padrões a serem seguidos ou não. Passemos aos estereótipos. De acordo com Lippmann (apud Baccega, 1998) não vemos as coisas primeiramente para depois definirmos, todavia, nós definimos e depois vemos. E o estereótipo funciona como uma espécie de tipos sociais aceitos, ou padrões segundo os quais devemos seguir. No caso dos contos de fada, será bem mais quisto quem for bom. . 
          Na construção desses estereótipos, encontramos no conto de fadas mais antigo de Disney, a Branca de Neve. Trata-se de uma princesa que perdera o pai e que vive sob o jugo da sua madrasta. Mesmo sendo adulta Branca de Neve se mostra bastante ‘inocente’, e se revela uma moça que sonha em encontrar seu príncipe encantado. E isso pode ser percebido em uma das canções, “O sonho que eu sonhei”, quando a mesma afirma: O sonho que eu sonhei/Há de acontecer/O castelo que eu/imaginei/De verdade, ele um dia há de ser/O meu eterno amor/Um dia encontrarei/E feliz eu irei/viver com esse amor/No sonho que sempre sonhei. 
        Em contraponto com a princesa, encontramos a figura da madrasta. Esta representa o mau, e tem como características principais a vaidade, quando a mesma se olha ao espelho, e por outro lado sente inveja da princesa. Nesse sentido, através de métodos ilícitos a madrasta tenta dar fim a Branca de Neve, ao impor a um caçador que traga o coração dela como prova de sua morte, já que esta era considerada a mais bela. Mas como o trunfo não fora alcançado, dado o sentimento de piedade do caçador em tirar a vida de Branca de Neve, a madrasta buscou através da bruxaria, envenenar uma maçã para que esta morresse. Desse modo, não existe quem nunca teve aversão à figura de qualquer madrasta em muitas situações, vista como má, vil e perigosa. 
       Disney, nesse longa, mostra também a figura dos anões. Mestre é o anão que tem como principal função conduzir o grupo, ou seja, lidera através de sua sabedoria, mas procura trabalhar em conjunto em prol do beneficio da equipe. Não é difícil encontrar essas pessoas na nossa sociedade. Em seguida temos o Feliz, figura que expressa através de suas ações que, mesmo em casos de dificuldade há sempre a possibilidade de se ter alegria e felicidade. O anão conhecido como Atchim, é aquele que vive doente, e a seu lado temos o Dengoso que, expressa a carência de muitos de nós. Nesse meio, encontramos o Zangado. Este é uma figura que expressa o não humor da própria trama da animação, e diferentemente do anão Feliz, ele é ranzinza e insatisfeito em boa parte da trama. Os dois últimos, Dunga e Soneca completam os sete anões. O primeiro é mudo, e muitas das suas ações revelam uma espécie de inocência, comparada a Branca de Neve em certo sentido; e o último podemos comparar as pessoas que esperam a vida passar, como numa espécie de inércia, no qual suas ações se demonstram ineficientes. (FREITAS, 1997). Temos também a presença dos animais que auxiliam Branca de Neve em suas dificuldades, e revelam a expressão de muitas pessoas que estão preocupadas com as outras numa espécie de solidariedade. E por último encontramos a figura do príncipe. Este aparece duas vezes no filme, segundo o qual revela através de suas características uma espécie de tipo ideal que a princesa almeja: montado em seu cavalo branco e que a leva, depois de todas as dificuldades passadas, para morar no seu lindo castelo. 
       Por fim, podemos perceber que mesmo em filmes infantis de contos de fadas, somos induzidos, em certa medida, desde a infância a estereotipar os indivíduos em determinados papeis, através de um padrão especifico. Através de um ‘inocente’ conto de fadas, Disney expressou através de Branca de Neve e os Sete Anões, a partir de nossa análise determinados padrões sociais e estereótipos partilhados em certo sentido, com a sociedade da sua época. 


Gláucia Santos de Maria  

sábado, 14 de julho de 2012

Juventudes, direitos e participação: desafios e (re) definições


         
          Pensar a juventude brasileira, na atualidade, exige refletir sobre uma série de aspectos que foram cruciais na formação de novos problemas, novas abordagens e perspectivas de compreensão sobre essa temática. De modo geral, é preciso que se considerem os aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais, etc., que definiram uma nova face para essa parcela da população.
            Cabe atentar para o fato de que não podemos mais pensar a juventude e entendê-la de forma homogênea, pois há importantes variantes no que diz respeito a sua identidade (ou melhor, identidades) e os modos de expressão que adota.
            Segundo Pierre Bourdieu (1983, apud Barrientos-Parra) “(...) não existe uma juventude, mas multiplicidade delas, tantas quantas são as tribos existentes”. Desse modo, é importante ressaltar que para uma população cada vez mais crescente cabe ao Estado destinar políticas públicas que subsidiem e proporcionem condições efetivas para o desenvolvimento integral dessa parcela da população.
            Desde 2005 que, no Brasil, tem sido pensada uma Política Nacional de Juventude, cujo principal objetivo é elaborar diretrizes, objetivos estratégicos, eixos e critérios para que sejam formuladas e implementadas políticas sociais eficientes e que possam dar condições para que a juventude brasileira se desenvolva integralmente.
            Neste mesmo ano, houve a criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e do Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), fazendo com que o Brasil fosse o primeiro na América Latina a contar com um conselho destinado aos jovens. “Composto por 60 membros, dos quais 40 são da sociedade civil, o Conjuve veio reforçar ainda mais a democracia participativa, que ganhou destaque ainda maior com a realização da I Conferência Nacional de Juventude, em 2008, em Brasília. O evento mobilizou mais de 400 mil jovens e adultos em todo o país e resultou em um documento com 70 resoluções e 22 prioridades que devem nortear as ações para a juventude em nível federal, estadual e municipal”.
            Se, para as crianças e os adolescentes o Estado deve adotar uma postura absolutamente protetora, tendo em vista a fase peculiar de desenvolvimento dessa população, para os jovens é preciso que seja lançado outro tipo de olhar. Para estes, devem ser pensadas estratégias para oportunizar a sua entrada na vida adulta com segurança e perspectivas de futuro, pensando a sua possibilidade de interlocução e tomada de decisões.
            Tendo em vista a elaboração de um marco legal específico para as políticas públicas de juventude, tramita atualmente no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara – PLC 98/2011. A iniciativa surgiu na Câmara dos Deputados e para que se torne lei necessita de aprovação no Senado e a sanção da presidenta.
            Este projeto visa instituir o Estatuto da Juventude e o Sistema Nacional de Juventude. Pelo projeto “são considerados jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos”.
            Cabe analisar que a juventude não pode ser pensada apenas em termos de faixa etária, tendo em vista que os direitos desse segmento “(...) baseiam-se na especificidade da condição juvenil constata-se que os jovens têm características singulares físicas, psicossociais e de identidade que demandam uma atenção especial por parte da sociedade e do poder público.” (Barrientos-Parra, 2004, p. 137).
            Um aspecto que consta no texto do projeto de lei e que assume uma importância crucial na formação da autonomia juvenil diz respeito à participação social. O texto diz que “(...) o Estado e a sociedade promoverão a participação juvenil na elaboração de políticas públicas para a juventude e na ocupação de espaço público de tomada de decisão como forma de reconhecimento do direito fundamental à participação”.
            Desse modo, notamos que existe a possibilidade de mudança de paradigma quanto à ação estatal, pois “Significa passar das tradicionais políticas ‘para’ a juventude, isto é, políticas concebidas pelos governos direcionadas aos jovens, para políticas de juventude, isto é, políticas concebidas e elaboradas com a participação direta dos jovens, por meio de estruturas jurídicas reconhecidas pelo Poder Público, como conselhos e coordenadorias da juventude” (Idem, p. 140).
            Podemos dizer, então, que a juventude brasileira passa por uma fase de intensas mudanças em termos de reconhecimento por parte do Estado, inserção na política, geração de estratégias de incidência e participação e, também, de expressão do seu rosto multicolorido e plural.
            Vivemos uma fase onde há espaços de participação cuja influência pode ser determinante para os caminhos dos jovens no nosso país. Cabe, contudo, promover espaços de formação política para que os jovens possam atuar enquanto protagonistas de sua história, abrindo novos caminhos e (re) inventando possibilidades novas de um futuro melhor.  

José dos Santos Costa Júnior, graduando do curso de História pela UFCG


sábado, 7 de julho de 2012

Personificação das roupas: memórias e dor*


            
         As roupas podem ser vistas como uma representação do materialismo, ou um utensílio comum que acaba se tornando um símbolo do consumismo desenfreado. No entanto, a roupa é algo mais do que um simples fetiche humano, ela possui em sua essência algo que mistifica o seu uso. A nossa sociedade por questões históricas, necessita andar vestida, e por isso o apego por esse material de tecido, que incorpora em nossos corpos e se molda a partir deste,  passa a se tornar parte da existência da pessoa que  a veste. A roupa está na memória de quem a vestiu ou usou uma vez, mas para quem vê o outro vestido, a lembrança ainda é mais forte. O fato de lembrarmos uma pessoa querida que já se fora, e ter uma lembrança dessa, nos trás à tona todo tipo de sentimento causado simplesmente pela personificação da roupa com o nosso ser. E nesse caso a dor se apresenta a nós em função do que vestimos.
            Diante dessa temática nada melhor do que trabalhar a obra do autor norte-americano Peter Stallybrass, “O casaco de Marx, roupa, memória e dor”, segundo a qual, no primeiro capítulo o autor irá descrever seus sentimentos diante da dor propriamente sentida por ele, em virtude da morte de seu grande amigo e companheiro de profissão. Primeiramente há um vazio indescritível que o cerca, em razão do autor não conseguir expressar seus sentimentos referentes àquela perda. As roupas e utensílios eram apenas o que restavam de seu amigo. Porém, fora o que incentivara a escrever sobre o assunto, em contato com as sensibilidades e vestido com a jaqueta preferida de seu companheiro. Stallybrass se viu aflorando os seus sentimentos diante da perda de seu colega, as lágrimas que antes teimavam em não brotar em seus olhos, surgiram. E o choro no qual o autor descreve, abriu uma porta para este encontrar o que procurava, e se viu escrevendo sobre as roupas. A jaqueta a qual estava vestido representava muita coisa, sentia o seu amigo novamente ao seu lado, mais do que isso, o autor se sentia vestido pelo amigo que tanto gostava.
Então percebemos que a roupa é mais que uma vestimenta, ela adquiri vida em contato com o corpo humano. E a partir do momento em que esta, que tanto impregnou a matéria, deixou de ser usada, permanece com cheiros e representa ainda o dono. No cabide ainda pode se ver, a face de quem usou. Stallybrass conseguiu ver de uma forma clara, o momento em que se sentiu vestido pelo seu amigo, pela jaqueta que tanto desejava e gostava de ver o vestido.
            Peter Stallybrass deixa claro que a memória e a dor andam juntas, lado a lado. A roupa só ajuda aflorar essas duas características. Pois, ela é algo visível, e está sempre em nosso corpo para onde nós vamos.
 Desde pequenos nos afeiçoamos a algo. Em primeiro plano uma chupeta, depois uma bicicleta e em outro momento uma calça jeans, objetos e utensílios que tornam parte de nossa vida. O cuidado com que tomamos com essas coisas, até parecem que são vivos para nós. E será que não são mesmo? O afeto existe, e o amor também, é difícil desvincular algo que nós gostamos, até mesmo quando as roupas ou objetos estão gastos. O zelo que conservamos naquilo que gostamos e usamos permanece. No final paramos para pensar o quanto somos hipócritas, ao dizer que o materialismo é algo esdrúxulo, e só as pessoas com poder aquisitivo possuem. É histórico na sociedade se passar de geração a geração pequenas relíquias. Em qualquer classe social no século XV era comum receber algo que representasse a memória do seu antepassado, mesmo que fosse uma roupa já usada, em formato de um trapo. O armário e as roupas então podem representar a ausência do ser que outrora vestia aquelas roupas e se locomovia de um lado para o outro. Stallybrass faz referência a um poema de Nina Payne, no qual os filhos brigam para vestir as roupas do seu pai falecido. Será que igual ao autor, estes também se sentiam vestidos pelo pai? É algo a se pensar.
*Alusão ao texto de Stallybrass

Ronyone de Araújo Jeronimo