segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Vico e a “Ciência Nova”: contribuições para o saber histórico


            “Um verdadeiro historiador é aquele que consegue uma relação afetiva com o passado, mas ao mesmo tempo, manter certa distância dele”. (SALIBA, 2003, p.285). A opinião de Vico é que o historiador deveria analisar as fontes, mantendo uma relação com o passado, e ao mesmo tempo se distanciando deste, para não criar um diálogo em que o presente influenciasse o passado. Esta é uma colocação bem avaliada, pois o distanciamento do historiador com as relações do passado impedem, que o mesmo fique alheio do presente ou que o mesmo coloque o presente no passado. Pois na opinião do filósofo italiano Giambattista Vico, a História seria uma ferramenta, que possibilitaria aos homens compreender como se deram as construções das mentalidade humanas, ao longo do tempo, e o modo que as figuras do passado se articulavam no presente. Sendo assim, a História seria então, um dos estudos da humanidade, desde suas primeiras concepções humanas.
            Giambattista Vico é considerado um precursor da história, e um homem acima de seu tempo. Pois criar uma obra, em um período hegemônico das ideias cartesianas[1], a qual a história era qualificada como criadora de fábulas que inventavam o passado, dando a mesma um caráter lendário a qual supostamente apresentaria o passado o mais fantástico do que realmente fora.  Esse pensamento se dava pelo fato das ideias empiristas[2] dominarem o cerco da razão. As ciências naturais dominavam o pensamento do século XVIII, definiam a racionalidade do pensamento, pois a mesma bebia da exatidão, que a história não possuía. Assim, a história era colocada como um estudo estéril, sem pouco valor de se estudar. Esse pensamento será combatido por Vico em sua obra “Ciência nova” de 1725, na qual o mesmo trará a história como uma nova ciência que deveria ser estudada e apreciada. Pois a história poderia revelar as relações humanas, já que a ciências naturais enfatizavam o pensamento cartesiano, que buscava no estudo de um objeto desconhecido, que não fora criada pelo homem, e sim pelo divino. Que o homem poderia entender o divino e execrar o conhecimento de suas próprias criações, a qual, a história revelava.
            A Obra de Vico, Ciência nova, não tinha somente a intenção de derrubar o pensamento cético de Descartes e de seus seguidores, sobre a história, e sim contribuir com argumentos que poderiam modelar a percepção sobre as atividades históricas. O estudo da antiguidade será fundamental para Vico ao discutir as articulações e características das civilizações que modelaram o pensamento humano. Tanto que o primeiro capítulo do livro Ciência nova dialogara com as fontes que constrói o mundo antigo, dos Caldeus aos Romanos. Vico trará desse primeiro momento de sua obra os mitos e os rituais que primitivamente moldaram os homens. E construíram a fantasia, que veste o nosso sentido de passado. Pois é a partir das interpretações das linguagens e dos mitos, que podemos entender as sociedades. A fantasia, no sentido a qual Vico buscou explicar, era no sentido de entender as primeiras relações que davam origem as tradições, que criavam os deuses e os heróis.
            De acordo com Vico a partir do momento que conseguimos desmontar mentalmente nossa visão do passado, conseguimos aspirar ao conhecimento “verdadeiro”, ao qual ele ressaltava que o historiador deveria agir, para que o mesmo não criasse uma familiaridade com o passado. Dessa maneira Vico destacava que o homem não possuía uma só natureza, diferente de Voltaire que acreditava numa universalidade da natureza humana, dando a humanidade um caráter único, discordado por Vico, que dizia que o homem não possuía natureza e sim história, e por isso que os homens deveriam entender os sentidos que formavam a história. Partindo desse pensamento, Vico formulou a história ideal, umas das principais contribuições criadas pelo filósofo, que buscava entender a História da humanidade. A história ideal possuía idades que formavam a humanidade, eram constituídas por três idades. Idade dos Deuses, dos heróis e dos homens.
Essa exemplificação das três idades criava uma teoria cíclica para história, onde a razão caminharia junto à irrazão. Pois a história não consiste em anular a emoção nem tão pouco criar uma única dimensão para o homem, a qual esse seria reduzido apenas à racionalidade. Vico acreditava que emoção poderia vir junto com razão. Assim a Teoria cíclica formulada por Vico se contrapõe a teoria linear[3]. A qual o avanço não retrocederia ao primitivo. Na proposta circular do Corsi e Ricorsi (razão e irrazão). A irrazão dava lugar à razão num processo de avanço, mais o mesmo poderia retroceder, vivenciando um processo de círculo em que nenhum dos dois poderia ser eliminado pelo outro. Nesse processo Vico apresentava essas três idades. A idade dos deuses representava a fantasia e suas criações imagéticas que criavam o mundo. A segunda idade, a dos heróis representava as primeiras construções de poderes, onde os fortes e os guerreiros constituíam um governo aristocrático, e esses governavam por seus feitos heroicos. A terceira idade, era a dos homens, governos monárquicos esclarecidos com leis universais, que derrubava a imaginação e dava ênfase à linguagem popular, uma época moderada e considerada racional. No contexto circular da teoria cíclica, depois de vivenciar a terceira idade, retrocederia a primeira fazendo novamente o mesmo processo, a qual a primeira não seria melhor que a última idade.
No campo da epistemologia da história, Vico também daria contribuições, no que diz respeito às origens, na qual colocaria a filosofia e filologia lado a lado, já que filosofia buscava a razão, a filologia o “certo”. A história se apresentaria como um estudo crítico das relações humanas, onde a razão e a verdade estariam implícitas dentro do mesmo contexto. Assim a filosofia não poderia encontrar a verdade distante da história e a filologia não poderia encontrar a verdade das linguagens sem antes uma reflexão sobre a civilização que constituíram essa linguagem. A grande preocupação de Vico em sua obra Ciência nova é mostrar que as construções das sociedades não foram articuladas umas com as outras, e havia até mesmo desconhecimento de uma sociedade para outra. No entanto o direito natural surgiu em todos os povos, de acordo com ele.
Por fim, as relações humanas são o que constroem as atividades que geram o gênero humano. A história para Vico tem como função esclarecer as origens e os detalhes que formaram a humanidade, a partir de suas relações. Para ele a história é uma representação humana dos feitos que os homens proporcionavam. Nesse sentido, ao tratar sobre tal questão, Vico acreditava que a História deveria dar “um prazer divino ao leitor, pois em Deus é a mesma coisa que criar e conhecer” (REIS, 2003, p.295). Pois o prazer que a História representava para o homem era o mesmo que Deus possuiria com a sua criação.

Ronyone de Araújo Jeronimo



[1] Descartes propôs fazer uma ciência essencialmente prática e não especulativa inspirado no rigor matemático e racionalista.
[2] Os empiristas acreditam que o conhecimento vem apenas ou principalmente, a partir da experiência sensorial.
[3]Visão contínua da história. Tudo está determinado, tudo será sempre desta forma, não mudará a não ser dentro de um processo continuo, gradativo.