quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Índios metropolitanos: Movimento Punk dos anos 80

Banda Desgaste Mental (1984)
Fonte: Janice Caiafa

Janice Caiafa mostra através de sua pesquisa etnográfica, intitulada “Movimento punk na cidade- a invasão dos bandos sub”, realizada entre os anos de 1983-85, o modo pelo qual o movimento punk surge e ganha forma no Rio de Janeiro em meados da década de 80 (1983-1985). Vale salientar que a denominação do Movimento Punk surgiu internacionalmente, mas que invadiu diversos países, inclusive o Brasil.
            Caiafa pensa os punks do Rio de Janeiro como que uma tribo, e por isso procura percorrer na literatura antropológica na busca de pensar e apreender o universo desses índios metropolitanos.  Por isso ela afirma que pensar os punks é refletir sobre os seus deslocamentos. E um dos desafios que ela enfrenta é no que diz respeito ao aspecto físico, na medida em que acompanha seus trajetos em vários espaços da cidade: os subúrbios, os becos e também no sentido de uma compreensão do que ela denomina de mapas dos efeitos, uma espécie de cartografia dos exercícios concretos.
            Caiafa mergulha na Cinelândia e na Lapa, procurando conhecer os integrantes do movimento e do bando punk locais, e ao longo do texto ela expõe diversos questionamentos acerca da exuberância do grupo, em relação ao som, o uso do preto das vestimentas, a suástica e outros elementos que compõem esse universo.  Para isso, ela procura reconstruir, através das conversas que teve com alguns dos membros do grupo, uma trajetória do início do movimento punk no Rio de Janeiro.
            Segundo a autora a imagem que os punks transpareciam era de um grupo rude que vagava pela cidade, o que a fez pensá-los em termos de estudos sociológicos sobre gangues, guetos e delinquência juvenil. E, para entendê-los a pesquisadora passou a frequentar juntamente com os punks os principais pontos da cidade, conhecidos como points, as festas e shows que eles organizavam, ou seja, passou a conviver com o grupo, dialogando, observando seus comportamentos, seu modo de fazer cultura (contracultura) suas formas de ação.
            Janice aponta que o modo pelo qual os punks do Rio atuam é como uma espécie de estratégia. Tal compreensão da autora é que o movimento punk do Rio de Janeiro atua em oposição à cultura dominante, por isso que sua forma de se expressar contra esta é chamar a atenção através do estilo da roupa e do cabelo que choca o restante da população que, em certo sentido, é padronizada e disciplinada. Além disso, os shows por eles organizados, os fanzines são, também, formas de protesto contra a cultura dominante, por isso que eles assumem uma posição contracultural.
Além dessas questões ela salienta sobre o modo pelo qual o antropólogo é desafiado, quando este estuda em sua sociedade. A familiaridade com os valores e padrões sociais coloca a questão da distância social que o pesquisador é levado a executar.  Desse modo, ela afirma que é impossível estar com os punks sem estar entre eles, revela ser preciso participar de suas ações.
            A autora descreve em suas páginas como é o visual dos punks, visto como que hostil por parte de outros indivíduos que não pertencem à tribo[1]; ela faz descrições musicais e também dos movimentos das danças.
            Caiafa afirma também que muitos desses meninos de classes menos desfavorecidas, que são punks, são tão bem informados, quanto os garotos da classe média e de músicos brasileiros que curtem o som. Segundo a autora, tocar em uma banda para os punks não depende de ter conhecimento anterior. O que importa é tocar e transmitir a intensidade do som e chocar através das músicas, e que nenhuma banda punk procura conquistar a plateia, mas tocam para eles mesmos. Diferentemente das bandas heavy-metal que exigem conhecimento musical e instrumental e tocam para o público. Talvez por isso que, os punks veem os heavy com maus olhos, e os julgam de ter se vendido ao sistema.
            De acordo com a autora, os punks, através de suas músicas procuram fazer uma crítica social ao explorar em suas letras temas como “exploração econômica, o desemprego, a guerra, a violência, a corrupção do governo, a pobreza e o perigo pelas ruas” (p. 37)
            Em determinada circunstância, a autora fala sobre a relação dos punks com a mídia. Segundo ela, muitos deles resistem aos holofotes, e alguns não se deixam fotografar ou não gostam de conceder entrevistas, já que “existe entre eles a noção de que isso é nocivo para o Movimento, e eles o dizem claramente, ou simplesmente se subtraem aos ataques das mídias” (p.46).
Por fim, podemos afirmar que a pesquisa de Janice Caiafa tem um caráter confessional. Ela atenta para os processos sociais dos acontecimentos humanos, alertando para os desafios do trabalho de campo, e sobre os impasses enfrentados ao estudar o movimento punk. Ao interpretá-los ela procura enfatizar que sua intenção é fazer uma experimentação para dar conta dos processos humanos. Ela está comprometida na busca de trazer à luz um esforço de compreender esse Movimento no Brasil a partir de uma abordagem das Ciências Sociais ao informar as dinâmicas do grupo nos shows, nas festas; apreendendo questões relativas ao gênero; além das estratégias utilizadas pelos punks no Rio de Janeiro para manter o movimento em virtude da chegada e do avanço da new wave.
Gláucia Santos de Maria





[1] Em outro texto que escrevi sobre a experiência vivenciada pela antropóloga Márcia Regina da Costa, quando a mesma pesquisou sobre a religião fundada no âmbito evangélico, em São Paulo,  denominada Zadoque expressa como uma tribo urbana, em que misturava cenários parecidos com os produzidos para shows de rock e rap, bem como circulavam punks, carecas, rappers etc. (Conferir o texto Zadoque: renascendo sem trocar de roupa- http://academicoscuriosos.blogspot.com.br/2011/07/zadoque-renascendo-sem-trocar-de-roupa_12.html).