terça-feira, 7 de janeiro de 2014

BRAZIL: refúgio nos sonhos sob o regime militar


Brasil, 1985. Um novo momento político que se diferenciava dos últimos 21 anos anteriores, a qual a nação brasileira conviveu com um regime político autocrático imprimido pelos militares, que tomaram o poder nos idos de 1964 e que após os anos de obscurantismo em razão do regime opressor e autoritário vigente, a luz voltava a brilhar no Brasil com a redemocratização da política. Assim em 1985 o povo brasileiro comemorava o fim do período considerado sombrio e, nesse mesmo ano chegava aos cinemas do Brasil, o filme “Brazil” [1], película produzida na Inglaterra pelo Diretor Terry Gillian. A produção do longa-metragem tivera na época um grande orçamento avaliado em 15 milhões, porém, as arrecadações que o mesmo obtivera não foram boas, e não supriram os gastos empreendidos. E o filme acabou sendo considerado um fracasso.
      O dito fracasso de público do longa-metragem não impediu que o mesmo adquirisse fãs pelo mundo. É tanto que o site IMDB[2] coloca a película Brazil entre os 100 filmes considerados Cult. No país homônimo ao título da produção inglesa do diretor Terry Gillian, são poucos os que conhecem o filme. Para alguns olhos menos atentos (e principalmente nós brasileiros), após assistir a película, ficamos com a impressão de que o titulo do longa não possui nenhuma semelhança com o nosso país. Pelo fato do enredo do filme apresentar uma sociedade futurista e tecnicista, aonde a burocracia impera, nada é resolvido sem assinatura de papeis, e aqueles que discordam dos rumos tomados por aquela sociedade são considerados sabotadores ou terroristas do sistema. Todavia, no sentido comum da palavra, há algumas cenas de atentados terroristas contra cidadãos comuns, que na maioria dos casos buscam agir com naturalidade a esses acontecimentos (um prova disso é a cena do restaurante). O clima obscuro e caótico construído pelo diretor do filme nos faz pensar: o que esse Brazil tem haver com o nosso Brasil?
       Segundo o historiador brasileiro Alcides Ramos, e baseado na perspectiva do historiador francês Marc Ferro “O aspecto mais relevante do filme de ficção, consiste na sua capacidade de dialogar criticamente com o “Presente”, ou melhor, com as lutas políticas do momento histórico em que foi concebido, produzido e exibido”. (Ramos, 2002, p.25)”. A idéia do longa-metragem foi concebida e produzida antes do Brasil se libertar da Ditadura militar. Até mesmo o lançamento do filme no exterior saiu alguns dias antes do dia 15 de março de 1985. Data esta que marca o fim do regime militar, com a posse de um presidente Civil. O longa-metragem de Terry Gillian não se preocupa em destacar uma localidade, é tanto que no inicio do filme é revelado que aquela estória se remete “Em algum lugar do século XX”. Apesar do ambiente futurista, a sua temporalidade está presa a algum momento do século XX que já ocorreu, ou estava para acontecer. Então quer dizer que esse Brazil realmente não tem nada ver com o nosso Brasil? Diferente de alguns comentários que encontrei na internet que elucidam que a única razão do filme se chamar Brazil seja o fato do diretor inglês prestar uma homenagem ao compositor Ary Barroso com a música Aquarela do Brasil, que será exclusivamente a única melodia utilizada no filme (Brasil! Pra mim, pra mim! Brasil!). Apesar desses comentários, ao longo da película, observamos outras questões referentes ao momento que foi vivido pelos brasileiros no período do regime militar. Então, vamos aos personagens.
       No filme dois personagens nos chamam atenção. Um deles é o protagonista Sam Lowry (Jonathan Pryce) um burocrata que procura nos seus sonhos uma forma de fuga da realidade vivida naquele mundo tomado por restrições e controle do Estado. Em seus sonhos Sam Lowry possuía asas, isso pode significar uma possível alusão à liberdade, que o mesmo não possuía. E nem tão pouco se sentia livre para se apaixonar ou viver um amor, já que a mulher de seus sonhos é considerada subversiva para o Estado. Outra imagem que nos chama a atenção é a figura de um samurai que aparece no sonho de Sam Lowry que pode representar o Estado se intrometendo até em seus sonhos. A ditadura e os burocratas do filme eram perseguidores, oprimiam e tirava o direito de fala do povo, que não poderia pensar em idéias que atentassem contra os ideais que o regime pregava. Podemos analisar também outro personagem, chamado de Archibald Tuttle (Robert De Niro) um engenheiro térmico que rompeu com o sistema burocrático vigente, trabalhando por conta própria sem utilização de ordens de serviço, e que diferente de Sam Lowry, tão pouco obedecia às ordens superiores, e os burocratas observam Tuttle como um subversivo: um ser perigoso para o sistema.
      Ainda sobre o segundo personagem, na busca para prender Tuttle, os burocratas acabam prendendo uma pessoa errada, devido um erro de digitação. A prisão de Archibald Buttle, um homem inocente, se assemelha com algumas prisões promovidas pela ditadura por excesso de autoridade ou até mesmo por erros como este representado no filme. Percebemos que, até hoje em dia esses erros continuam, como a longa demora da burocracia para retirar pessoas que foram injustamente presas, da mesma forma aludida pelo filme Brazil. Os burocratas do filme interrogam seus presos, assim como a ditadura militar fazia, com torturas físicas e psicológicas, que chegam a levar até a morte do interrogado. Esse seria o caso do Buttle que acaba sendo morto durante um interrogatório. Outros fatos nos chamam atenção por se assemelhar com a realidade do nosso país. Como problemas de infração, desigualdade social, utilização do famoso pistolão para angariar cargos e etc. O Brazil do filme pode até não ser o nosso, porém, se assemelha muito. 
        No início do texto procurei falar que a ditadura no Brasil, foi um período obscuro na nossa história. Esse clima pode ser análogo com o ambiente construído no longa-metragem Brazil. Já que se observamos atentamente alguns detalhes podemos perceber que, as cores aparecem com um tom de ares felizes, apenas, no sonho de fuga de Sam Lowry, quando este está sendo interrogado pelos burocratas. Para fugir daquela sociedade autoritária Sam Lowry se exila em seus sonhos. Na ditadura muitos brasileiros tiveram que sair do Brasil e se refugiar em outras nações, temendo por sua segurança. E desse lugar de fantasia Sam Lowry cantarola com a melodia de Ary Barroso, dizendo que quer voltar para o velho Brazil de antes, o Brazil anterior daquele pesadelo que tinha se tornado aquela sociedade.Ou seria então, uma volta ao Brasil antes do golpe militar?


Ronyone de Araújo Jeronimo



[1] O filme está disponível no Youtube, no link: https://www.youtube.com/watch?v=XmSBtDLgBSQ
[2] Para ver as especificações do filme “Brazil” feita pelo site IMDB, conferir este link:http://www.imdb.com/title/tt0088846/?ref_=nv_sr_1

Um comentário:

  1. Ótimo comentário do filme!!!

    É triste ver que há pessoas que não compreendem o motivo do filme nomeado como "Brazil". A crítica feita é muito boa, não é difícil se ver em algumas das situações burocráticas passadas no filme.

    Fora isso, o filme é muuuuuito viajoso, foi o que quase me fez desistir de assisti-lo pois eu não conseguia absorver essa forma que eles criaram de passar a trama, é algo muito diferente.

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