sábado, 31 de maio de 2014

Candomblé: repressões e resistências


Desde o período escravocrata, diversos grupos étnicos oriundos do continente africano desembarcaram em solo brasileiro, trazendo com eles seus costumes, valores, etc. Sem dúvida, a presença de diferentes grupos advindos de várias regiões africanas foi importante para a formação cultural do povo brasileiro, exercendo forte influência em diferentes aspectos, entre eles a questão da religiosidade. Segundo (SILVA, 2012) diversas foram as religiões que cruzaram o oceano, já que cada povo possuía a sua. Algumas delas foram absorvendo outras crenças, ou ao contrário, muitas foram por elas absorvidas, criando sistemas religiosos novos, como o foi com a umbanda. Outras religiões não deixaram vestígios. Entretanto, a religião dos orixás se converteu em grande quantidade, especialmente no Brasil e em Cuba, e “o que era a religião dos iorubás tornou-se uma religião” de caráter universal (p.20).

          Acontece que, mesmo “libertos” do regime escravista (SKIDMORE, 1976) em fins do século XIX e início do XX, diversos grupos étnicos escravizados que aportaram no território brasileiro, ainda continuavam sofrendo restrições, perseguições e, eram muitas vezes, impedidos de expressarem seus cultos religiosos e tradições de seus lugares de origem. Sobre esses os cultos religiosos, o candomblé é um bom exemplo disso.

De acordo com Márcia Sant’Anna (2006) os terreiros de candomblé sofreram diversas perseguições e proibições até meados da década de 1930. Ela acrescenta que eles eram alvo de repressões constantes das forças policiais. Entretanto, esses conseguiram resistir às pressões e sobreviver devido às diversas alianças que conseguiram estabelecer. A autora coloca que uma das estratégias para a constituição e sobrevivência dos candomblés se deu mediante a aliança com o catolicismo, pois isso servia como um subterfúgio para escapar da repressão policial, já que o culto africano ficou mais próximo do culto oficial, percebido por alguns como uma possibilidade para a conversão dos seus praticantes à religião católica. Por isso que encontramos “altares católicos em todos os candomblés; todos os orixás têm correspondentes entre os santos da Igreja” (CARNEIRO, 1954, p.45). Sobre as medidas repressivas sofridas pelos praticantes dos cultos gegê-nagô na Bahia Nina Rodrigues apontou:


No Brasil, na Bahia, são ao contrário consideradas práticas de feitiçaria, sem proteção nas leis, condenadas pela religião dominante e pelo desprezo, muitas vezes apenas aparente, é verdade, das classes influentes que, apesar de tudo, as temem. Durante a escravidão, não há ainda vinte anos, portanto, sofriam elas todas as violências por parte dos senhores de escravos, de todo prepotentes, entregues os Negros, nas fazendas e plantações, à jurisdição e ao arbítrio quase ilimitados de administradores, de feitores tão brutais e cruéis quanto ignorantes. (p.264)


Mas apesar das repressões por parte do poder estatal, o autor afirma que os cultos resistiram às pressões impostas pelo catolicismo, às violências dos senhores de escravos, às propagandas negativas da imprensa da época, à repressão policial.

Além disso, outro laço importante nesse processo foi à aliança com indivíduos influentes que apoiavam, participavam e protegiam os terreiros. Segundo Sant’Anna (2006) ogan era um tipo especial de sacerdote do culto nagô, do sexo masculino, que não incorpora divindades, mas realiza tarefas específicas como a música e os sacrifícios, além de outras, administrativas e de representações. Assim, a figura de ogan presente em diversos candomblés era reservada a homens, e tal presença se estabeleceu em muitos casos através dos vínculos entre estudiosos que pesquisavam em terreiros de candomblé, a exemplo de Nina Rodrigues, Edison Carneiro, Arthur Ramos, Jorge Amado, Roger Bastide (SANT’ANNA, 2006; CAPONE, 2004.) que foram ou são ogans de alguns terreiros tradicionais da Bahia.

            Outra questão que nos chama a atenção é no que diz respeito aos terreiros de candomblé como patrimônio nacional. Segundo (SANT’ANNA, 2006) os terreiros de candomblé são vistos como lugares de preservação de memória. Isso pode ser observado no modo pelo qual se reverencia os ancestrais, bem como “na prática religiosa de marcar o lugar ‘habitado’ por uma divindade ou, ainda, na preservação dos rituais e da língua de cada ‘nação’”. Além disso, essa relação estabelecida entre comunidade de culto com o espaço do terreiro é perpassada pelo sagrado. O culto tem um lugar específico para ocorrer ali, tendo em vista que no seu centro simbólico se encontra enterrado o axé da casa, que move a conexão entre a força divina e dos mortais. Por isso a fundamental importância de se preservar esse espaço sagrado para a continuidade das expressões religiosas dos seus integrantes.

Dessa forma, os terreiros de candomblés em termos de instituição no Brasil, foi uma forma estratégica de sobrevivência cultural, de acordo com a autora, da busca da preservação de uma memória coletiva. Ela aponta que os terreiros mais antigos de Salvador se remetem à história da própria cidade. Alguns terreiros ditos tradicionais se tornaram patrimônio cultural do Brasil. Assim, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho considerado como o mais antigo da cidade, e visto como a grande matriz do culto de raízes africanas é um bom exemplo dessa busca de preservação da história da presença africana no Brasil, bem como da preservação dos seus cultos. Além disso, outros terreiros, a exemplo do Terreiro do Axé Opô Afonjá, o Terreiro dos Gantois, o Terreiro do Bate Folha também foram designados como patrimônio cultural do Brasil. E não podemos esquecer que em São Luís (Maranhão) o Terreiro da Casa das Minas (jejê) também foi declarado patrimônio nacional (SANT’ANNA, 2006, p.9-10).

Por fim, pudemos perceber que várias foram as tentativas de se explorar esse universo conhecido pelo nome de candomblé. Vimos que o esforço teórico de muitos estudiosos foi e é importante para a compreensão desse universo tão vasto. Além disso, esses estudos nos possibilitaram apreender que a presença de diferentes etnias de origem africana exerceu forte influência na religiosidade da população brasileira. De acordo com alguns estudos, a fundação do candomblé do Engenho Velho na Bahia marcou o início de uma nova fase de culto no Brasil. Através de alguns autores pudemos observar que os terreiros de candomblé e os seus participantes sofreram diversas perseguições, principalmente as repressões policiais. Entretanto, para resistir a essas pressões, seus atores utilizaram de estratégias para manter a sobrevivência dos candomblés através de alianças. Uma delas foi com o catolicismo, e a outra foram os vínculos que firmaram com aqueles que protegiam os cultos (ogans). Por último, analisamos a institucionalização de alguns terreiros de candomblé que se transformaram em patrimônio cultural do Brasil, objetivando preservar a memória coletiva para dar continuidade às manifestações religiosas dos seus descendentes.



Gláucia Santos de Maria